terça-feira, 11 de outubro de 2011

Uma Grande Invenção da humanidade – Os Algarismos indo-arábicos

A torre de Pisa começou a ser erguida em 1173, a fim de comemorar a boa fase da economia italiana. Couro, seda, especiarias, etc. Vários produtos eram comercializados por lá. O impulso mercante só não era maior porque os comerciantes e consumidores tinham um problema, compartilhado com outros centros da Europa: fazer cálculo era muito difícil. Os algarismos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 eram desconhecidos dos europeus. Tarefas como uma simples adição não era para qualquer um. Por exemplo, somar CCXXXII sacas de trigo com MDCCCLII garrafas de vinho, demoraria para chegar à resposta (MMLXXXIV, conhecido como 2084). Fazer este cálculo soa difícil porque o sistema romano tinha muitas limitações, como ausência do zero, essencial para fazer contas. Neste caso, fazer contas era para poucos.
As operações aritméticas são mais recentes no Ocidente que diversos conhecimentos sobre geometria, como os teoremas de Pitágoras e Tales. Catedrais da Europa medieval, como a Notredame de Paris, além da própria torre de Pisa, foram construídas com base em cálculos muito mais difíceis de realizar sem o suporte dos atuais algarismos. Na Idade Média, os europeus faziam contas nos dedos e lendo algarismos romanos. E o ábaco era um instrumento rústico que mais se aproximava de uma calculadora.
Primeira calculadora utilizada pelo homem: um ábaco representando o número 6302715408




  





No século XII a situação começou a mudar. Havia um matemático, para felicidade da cidade toscana, chamado de Leonardo de Pisa, conhecido mais pelo apelido de Fibonaci, nome de uma sequência numérica aplicada na Biologia e em outros campos. É graças a ele – e aos matemáticos que o seguiram- que hoje temos uma das maiores invenções da humanidade: os algarismos indos-arábicos.
Pré-história do número
A contagem é um atributo do homem, intimamente ligado ao desenvolvimento da inteligência. Mas pequenas quantidades podem ser percebidas por animais. Por exemplo, uma galinha percebe se sua ninhada foi alterada. Isso se chama percepção numérica.
Não se sabe quando o homem começou a determinar coisas de forma quantitativa, nem quem veio antes, se números cardinais (1, 2, 3,4) ou ordinais (1º, 2º, 3º). Alguns antropólogos defendem que os cardinais apareceram antes, porque a contagem se desenvolveu especificamente para lidar com necessidades simples do dia a dia. Outra corrente sugere que os números podem ter sido inicialmente relacionados a rituais que exigiam ordem de aparição. Por exemplo, a primeira estrela a surgir no céu ou a segunda colheita após a chuva.
O método de contagem mais antigo é o do osso ou do pedaço de madeira entalhado. Os primeiros testemunhos arqueológicos conhecidos dessa prática datam do período aurignacense (35 mil a.C. a 20 mil a.C). Outras evidências também comprovam que o homem registrava quantidades com representações de argila e nós em cordas. Um objeto de argila encontrado no peru, por exemplo, pode ter significado uma contagem de cabeças de gado.
As primeiras noções de quantidade com que o homem começou a lidar foram as mais próximas de sua realidade. Logo, 1 e 2 são os números mais antigos. De três em diante, era tudo uma quantidade disforme que representava muita coisa. Não importava se era 60 ou 600. Não havia essa distinção. Ou seja, um é pouco, dois é bom, três é demais. A famosa expressão representa a antiga relação do homem com os números. Os sumérios, em 3 mil a.C., usavam o termo es para representar 3 e ao mesmo tempo “muitas coisas”. Não havia definição para 4 em diante.
Calcular faz parte do cotidiano do homem. A verdadeira revolução, portanto, está na forma de fazer cálculo. Uma novidade que chegou ao Ocidente há menos de mil anos.
Os diferentes sistemas numéricos foram criados por diferentes civilizações, como mesopotâmia, maia, egípcia, grega e chinesa. Todos tinham algum em comum: desordem. Esses sistemas tinham um nome ou objeto diferente para cada número, eram modelos com símbolos infinitos. Essa dificuldade de escrever números grandes prejudicava as operações como: adição, subtração, multiplicação e a divisão. Foi então, que na Índia do século 5 a.C., surgiu a base decimal, ou seja, a noção de que números podem ser arrumados hierarquicamente, usando-se apenas 10 símbolos. Por exemplo, apenas com o símbolo 7 pode-se representar infinitos números: 77, 777, 7777, 77777 e assim por diante. Não era mais necessário um símbolo para cada número.
E o valor desses símbolos colocados lado a lado como fica definido? Depende da posição em que cada um está da direita para esquerda: casa das unidades, dezenas, centenas etc. Ideia simples e funcional que todo o mundo aprende. Mas que levou mais de 1,5 mil anos para se espalhar.
Mas por que a base decimal e não outra mais fácil? Na verdade, Houve outras bases. A base 20 já foi usada na Europa Ocidental. Até hoje, em francês, 80 é quatre-vingts (“quatro-vintes”). Os sumérios, em 4000 a.C optaram por organizar seres ou objetos em grupos de 60. “Esse sistema sobrecarrega o cérebro, já que requer um símbolo para todos os números de 1 a 60”, diz o astrofísico Mário Lívio, autor do livro Deus é matemático? Apesar da sobrecarga, a forma suméria deixou um interessante legado que perdura até hoje, na divisão da hora em 60 minutos de 60 segundos cada um. Pergunto, porque depois de 3h59 não é 3h60, mas 4h? A culpa é dos sumérios. Mas foi a base decimal que deu mais certo e conquistou o mundo. Muito provavelmente por causa dos dez dedos da mão, e a mão foi à primeira coisa que o homem usou para calcular. Por isso ela parece tão natural. Agrupamos números em 10, 100, 1 000 porque não poderia ser mais prático.
Leonardo e os árabes
Os algarismos que usamos atualmente são uma herança indiana transmitidas pelos árabes. No século 7, o islamismo expandiu-se em todas as direções, entrando em contato com diversas culturas, o que significou um avanço científico tremendo. Eles estudaram e traduziram obras de filósofos e matemáticos gregos e, ao conquistar a Índia, reconheceram a importância do sistema numérico hindu, que já tinha mais de mil anos de uso. E propagaram o novo conhecimento ao longo de seus domínios. O que não incluía a maior parte do continente europeu.
Havia dois tipos de matemáticos na Europa do século 12, os de escolas religiosas ou universidades e os que exerciam atividades do comércio e negócios. Leonardo de Pisa fazia parte deste último grupo. Viveu algum tempo com seu pai, um funcionário de comércio e alfândega, em Bugia, na atual Argélia, e viajou para países como Grécia, Egito, e Síria, onde estudou e comparou diferentes métodos de operações numéricas. Em contato com o sistema utilizado pelos mercadores árabes, Leonardo aprendeu que o sistema desenvolvido na Índia era muito mais eficiente para calcular do que o romano.
Os nove símbolos hindus são: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1. Com eles, mais o símbolo 0, que em árabe é chamado zéfiro, qualquer número pode ser escrito. Leonardo de Pisa publicou, em 1202, o Liber Abbaci (Livro do cálculo). A obra apresentou à Europa as operações de adicionar, subtrair, multiplicar e dividir, usando a novidade dos algarismos. Não foi o primeiro livro escrito sobre o novo sistema, mas foi o mais eficiente que fez toda a diferença.
Ao facilitar os cálculos que faziam parte do cotidiano das pessoas, Leonardo democratizou o conhecimento matemático, sem depender de um especialista em ábaco. A técnica popularizada por Leonardo ficou conhecida como numeração Al-khowarizmi, em homenagem ao matemático árabe Mohamed Ibn Musa Alchwarizmi, que em 820 escreveu sobre a arte hindu de calcular. Com o tempo, o nome mudou para algorismi, que em português virou “algarismo”.            
Apesar de facilitar os cálculos, os numerais indos-arábicos não tiveram pronta aceitação pelos europeus, chegando a ser proibidos pela igreja, por considerar tão engenhoso os cálculos árabes era demoníaco. Além disso, os especialistas do ábaco estavam preocupados com o seu ganha-pão, pois o novo método colocava as operações aritméticas ao alcance de todos. Os algarismos trouxeram desenvolvimento à Europa Medieval e tiveram importância na transição para Idade Moderna. Durante esse período de transição houve crise entre os “abacistas” – especialistas com o ábaco – e os “algoritmistas” – os que preferiram o cálculo do novo sistema. Uma rivalidade que acabou no século 16, com a vitória dos algarismos.

Figura da disputa entre um abacista versus um algoritimista.
O estabelecimento dos algarismos foi essencial para as viagens marítimas de Cristovão Colombo, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e Fernão de Magalhães. O sistema indiano proporcionou o desenvolvimento da astronomia e da navegação na Europa, que permitiu viagens muito mais bem organizadas e planejadas. Contudo, o ábaco permanecia. O ensino do instrumento só foi abolido nas escolas com a revolução Francesa, em 1789.
Historiadores e matemáticos ao analisar o legado de Leonardo de Pisa colocam a invenção no mesmo nível de importância que a invenção da roda. É graças a ela que a matemática e a engenharia puderam avançar. Graças a ela a computação e a internet nasceram. Definiu o escritor David Hutter, os algarismos são a coisa mais próxima de uma linguagem humana universal.

fonte: *Revista: superinterresante-edição 296-out/2011, p.66
         *http://pt.wikipedia.org/wiki/ábaco

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